...........Entrar no mundo da fotografia é percorrer caminhos que apontam para o lugar de contaminação, apropriação, atravessamento, releitura, identidade e memória. Esse lugar híbrido por excelência e rico em possibilidades representa uma das linguagens mais utilizadas na arte contemporânea. Entre o segundo único que captura a imagem e a possível repetição infinita desta, entre um e outro, está o fotógrafo-artista. São de suas escolhas subjetivas, seus enquadramentos e seus recortes que vamos fruir o que nos é dado a ver. O corte atinge de modo certeiro o tempo e o espaço e pereniza um instante. Philippe Dubois afirma que o tempo não é contínuo, uma vez que esse instante é arrancado da realidade e congelado do tempo cronológico.
...........Entrar na obra de Roberto Schmitt-Prym é pisar em terreno minado, onde todo o cuidado é pouco. A exposição propõe um percurso poético, em que cenas vertiginosas são um convite e, ao mesmo tempo, uma provocação ao imaginário do espectador. A liberdade e o domínio do artista, ao se colocar atrás da câmara, são despojados de preconceitos, e o resultado do seu fazer são imagens que referenciam um repertório de cenas sensuais, íntimas e eróticas que evocam o prazer, o clímax.
...........Dois conceitos estruturam as imagens na escolha da narrativa visual: o voyeurismo, quando cenas de pessoas sem o seu conhecimento são captadas, e o exibicionismo, no momento em que o filme é realizado com a aquiescência de suas intérpretes.
...........O processo criativo potencializa dois meios: o filme e a fotografia. Essa combinação engendra novas visualidades, uma vez que a fotografia vai extrair do filme cenas em movimento. O processo estético envolve a obtenção do produto final por meio do High Dynamic Range (HDR), técnica fotográfica em que são tiradas três fotografias: normal, subexposta e superexposta. O resultado dessa técnica apresenta um contraste muito alto e a distorção das cores.
...........A escolha das fotografias para a mostra foi feita a partir de um banco de imagens que constitui uma pesquisa de mais de cinco anos. As cenas eleitas são aquelas com equilíbrio entre o fato real e o provocado, ou seja, a perfeita sintonia entre figura e fundo. No fato real, representam a figura feminina em cenas eróticas e sensuais envolvidas em seu próprio prazer. No fato provocado, a luz corrobora a invenção do espaço e é usada como ferramenta construtiva, criando um fundo de intensos contrastes e cores. O efeito visual encanta e a tendência do olhar é percorrer o contorno dos corpos de modo ininterrupto, atravessando as transparências. A luz transborda a imagem criando cores fortes e cenários exóticos para as figuras. A névoa e o disforme também são resultados dessa tripla operação (HDR). O poder espacializante da luz atinge toda a superfície fazendo emergir o erotismo das figuras em contraponto, que cria certo mistério e instiga para o imaginativo, despertando o desejo de ver a cena por inteiro. É um convite velado para o observador mergulhar no abismo, na vertigem.
...........Desde 1990, data de sua primeira exposição individual de fotografia, no MARGS, Roberto Schmitt-Prym percorre uma jornada no campo dessa técnica. Contudo, é a primeira vez que se dedica a esse tema. O insight para essa pesquisa, que ora vemos o resultado parcial, ocorreu a partir da observação de uma imagem registrada por Edward Weston, em que ele fotografa o momento de um orgasmo de sua mulher, a fotógrafa e ativista italiana Tina Modotti.
...........Schmitt-Prym deu mostras de sua liberdade e fantasia, mas, sobretudo, de sua segurança e sua erudição inequívocas na realização deste trabalho. Ao mostrar Cenas Vertiginosas, ele transmuta a imagem com carga erótica de mero estatuto de produto de consumo para dar a ela outro significado na cultura visual. Se a banalização do sexo e do prazer for vista com os olhos da sensualidade, estes poderão ser reconduzidos a outra escala como objeto de reflexão sobre a sociedade em que vivemos.
 

            Ana Zavadil - Curadora